CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CONSULTA TRIBUTÁRIA E SEUS EFEITOS IMEDIATOS

1. INTRODUÇÃO

A pouca propagação de estudos sobre consulta tributária, bem como sua pragmaticidade no dia-a-dia dos operadores do Direito, fizeram despertar o interesse em sua pesquisa e, por via de conseqüência, a elaboração desse artigo.

A falta da utilização da consulta tributária acarreta, primordialmente, a dúvida na interpretação legal, o pagamento tributário equivocado, a inadimplência e outros diversos gravames, dentre outros imbróglios, os quais poderiam ser solucionados através de uma simples consulta.

Diante do exposto, conclui-se relevante a exploração deste tema, em face de serem normais as dúvidas do sujeito passivo ante a excessiva carga tributária brasileira na atualidade, além de suas modificações constantes.

2. DENOMINAÇÃO DA CONSULTA

Ab initio, vale ressaltar qual é o conceito de consulta. Por isso, traz-se à baila a definição do doutrinador De Plácido e SILVA:

Consulta. Derivado de consultum, de consulere, é empregado para indicar a ação de consultar. Em tal sentido, então, possui os significados de conselho, parecer, plano, projeto. E tanto serve para designar o conselho ou parecer, que se pede, como o conselho ou parecer, que se dá.[1]

Além do conceito de consulta, outra questão bastante oportuna de se destacar é a diversidade de denominação empregada para esta ferramenta jurídica pela doutrina pátria, pois alguns doutrinadores a chamam de consulta fiscal, outros de consulta tributária e há ainda quem defina simplesmente de consulta.

O que se sucede é uma adjetivação, porquanto a legislação somente a preceitua como “consulta”, entretanto os estudiosos a qualificam dependendo do seu ponto de vista e de seu enfoque.

Por tais razões, adotar-se-á a locução consulta tributária, a fim de atingir toda e qualquer indagação sobre algum tributo do sistema brasileiro.

3. NATUREZA JURÍDICA

A consulta tributária regula-se por leis infraconstitucionais, regulamenta-se por instruções normativas do Fisco competente e tem como natureza jurídica o dispositivo constitucional estampado no artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal[2].

A referida disposição da Carta Magna, chamada de direito de petição, é o fundamento jurídico para a possibilidade do sujeito passivo realizar uma consulta ao Fisco, a fim de dirimir alguma dúvida relacionada a alguma interpretação legal.

O direito de petição visa a assegurar a defesa de direitos, portanto tem a sua eficácia como primordial para a concretização do Estado Democrático de Direito, a partir do momento em que as pessoas podem peticionar aos Órgãos e Entidades da Administração e tais têm o dever de responder, visto que não podem se omitir ou recusar. [3]

O direito de petição é aquele pelo qual qualquer um faz valer junto à autoridade competente a defesa de seus direitos ou do interesse coletivo. Historicamente, o direito de petição teve grande importância antes de ser estruturada a representação popular.[4]

Ademais, o referido princípio constitucional configura-se como norteador do sistema tributário, pois origina a sincronia entre a exigência pecuniária por parte do Estado e o efetivo adimplemento do sujeito passivo à exigência tributária.

A consulta ajuda o Estado, porque a partir do momento em que o sujeito passivo esclarece uma dúvida sobre alguma disposição legal, por conseqüência irá adimplir com exação, uma vez que não possuirá incertezas quanto ao enquadramento do tributo.

Desta feita, o Estado beneficiar-se-á com esses pagamentos, atingindo então a finalidade do ordenamento constitucional tributário[5] ao delinear a órbita normativa e de atuação.

4. DISPOSIÇÕES LEGAIS REFERENTE À CONSULTA

O procedimento da consulta surgiu com os dispositivos legais prescritos no Decreto-Lei nº 70.235/72, os quais disciplinam o instituto em doze artigos (arts. 46 a 58).

Entretanto, com o advento do tempo e das necessidades de um tratamento mais eficaz, houve a criação da Lei nº 9.430/96 que promoveu uma ampla reformulação no processo administrativo da consulta, no âmbito federal, dispondo em dois artigos o procedimento e as regras que devem ser obedecidas na formulação de uma consulta tributária ao Fisco.

Urge frisar que os artigos 48 a 50 da Lei nº 9.430 dispõem sobre o procedimento dessa ferramenta jurídica quando relativos a tributos ou contribuições de competência da Secretaria da Receita Federal ou ainda que versem sobre classificação de mercadorias. Para as demais hipóteses permanecem vigentes as regras insculpidas no Decreto nº 70.235/72. Inclusive, o art. 49 da Lei[6] aduz que não serão aplicados os artigos 54 a 58 do Decreto-Lei nos processos perante a Secretaria da Receita Federal.

No âmbito federal, vale lembrar da Instrução Normativa no 02/1997, com as devidas alterações da Instrução Normativa nº 83/1997. Ambos textos normativos editados pela Secretaria da Receita Federal regulam a consulta, dispondo sobre os procedimentos a serem obedecidos na circunscrição federal e determina como deve ser procedida a classificação de mercadorias.

5. OBJETIVO DA CONSULTA TRIBUTÁRIA

A consulta possui o escopo de esclarecer alguma interpretação legal, adequando-se o sujeito passivo ao entendimento do Fisco.

O questionamento realizado almeja a prevenção de que a conduta do sujeito passivo tenha uma interpretação legal equivocada, desta forma tutelando os seus direitos e o seu patrimônio ao não dispor bens à pessoa errada ou, até mesmo, quando não incidia o fato gerador da obrigação tributária.

A consulta versará sobre a interpretação jurídica em alguma situação fática. Diante da complexidade da legislação tributária, o sujeito passivo fica repleto de dúvidas na sua interpretação e na aplicação a determinado fato, por esta razão lhe é facultado apresentar consulta ao Fisco, a fim de que possa ser composto o seu questionamento.

Nesta diretriz, A. A. Contreiras de CARVALHO aduz:

Quando temos diante de nós um texto de lei, que nos cumpre interpretar, a primeira idéia que nos assalta o espírito é a do método que devemos escolher para a determinação do seu conteúdo volitivo, pois sabemos que a lei expressa uma declaração de vontade dirigida ao intérprete. Como esta tarefa não é fácil, – e daí os numerosos processos interpretativos da norma legal -, faculta o Diploma processual a formulação, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de consulta sobre disposições da legislação pertinente.[7]

Lembra-se que não se pode reputar como consulta tributária um mero requerimento formulado ao Fisco pelo administrado, até porque necessita preencher alguns requisitos para possuir legitimidade ativa para tal[8].

Logo, o esclarecimento de algumas posições da Administração perante a confusão normativa existente na atual conjuntura jurídica brasileira é essencial, em face do nosso sistema tributário possuir mais de sessenta tributos catalogados e inúmeros preceptivos regulando-os.

A necessidade eminente deste instituto mostra-se inseparável à epiderme do sujeito passivo, uma vez que a sapiência da interpretação correta que o Fisco planeja adotar sobre uma determinada norma pode gerar uma série de economias, as quais poderiam ter sido escoadas numa interpretação equivocada, cujo regresso obstaria em uma série de burocracia levantadas pela Administração, ora por segurança do Erário, ora por simples burocratização. Por síntese, o administrado ficaria sem um capital para o momento ao tê-lo “investido” em tributação inexistente ao seu caso concreto, uma vez que não presente a hipótese de incidência.

Outro aspecto a ser observado versa sobre as diferenças entre consulta tributária e mero pedido de opinião ou conselho.

A consulta tributária tem caráter interpretativo legal e não se presta para responder pedidos de opinião, até porque para esse intuito há inúmeros profissionais no campo jurídico.

Necessário fazer as distinções desses conceitos, pois o mister de cada um deles difere em tudo, desde em sua realização até em seus efeitos.

O pedido de informação pode ser concretizado nos plantões fiscais ou também chamado de assistência técnica, isto é, uma pessoa comparece a uma repartição competente para o recebimento de algum tributo e pergunta oralmente alguma orientação ou opinião.

A resposta neste caso não irá vincular a Administração pela atitude do servidor, pois nada mais foi do que um simples pedido de opinião ou conselho, seguindo diapasão diverso daquele efetuado na consulta tributária, desde a sua natureza até a sua eficácia.

Valdir de Oliveira ROCHA descreve o esteio e a origem do administrado em requerer junto ao Fisco uma resposta da consulta, diferindo das situações de um mero pleito administrativo de informação, conselho ou pedido:

A consulta fiscal, enquanto direito do administrado, exige resposta, em defesa de direitos. Como tal, descarta-se, desde logo, qualquer significação que a atrele com mero pedido de conselho ou opinião, que não vinculasse a administração consultada.[9]

Para corroborar com este posicionamento, Luis Eduardo SCHOUERI discorre que:

(….) a consulta pode ser definida como o meio através do qual o sujeito passivo, efetivo ou potencial (a consulta pode, justamente, questionar se o consulente é, em determinado caso, sujeito passivo da obrigação tributária), ou entidade que o represente, ou, ainda, um órgão da administração pública, indaga, formalmente (em contraposição às ‘consultas informais’, formuladas verbalmente perante os ‘plantões fiscais’) ao órgão encarregado da Administração Tributária, sobre dispositivos da legislação tributária aplicáveis a fato determinado.[10]

Assim, o processo de consulta tributária assegura ao sujeito passivo a oportunidade de compor dúvidas, pois como Paulo de Barros de CARVALHO assevera “Diante da multiplicidade de leis, decretos, circulares, etc, os obrigados à observância da legislação tributária encontram-se não raras vezes, diante de situações de dúvida, de incerteza a respeito de como proceder”[11].

Consiste numa petição fundamentada que o contribuinte espontaneamente dirige à autoridade fiscal federal, objetivando dirimir dúvidas quanto ao emprego e à interpretação de dispositivos da legislação tributária aplicáveis a determinado fato.[12]

Esta abundância de normas gera o questionamento do sujeito passivo, o qual se sente acuado perante tantas disposições legais. Por mais que sempre tente estar atualizado, a balbúrdia normativa sobre alguns tributos o deixam em constante estado de dependência da consulta tributária para averiguar o entendimento do Fisco, a fim de não se enquadrar como inadimplente e sujeito  aos encargos naturais de tal condição.

Urge salientar que a atividade interpretativa não é privativa dos juízes e dos tribunais, advogados, professores e doutros profissionais para precisar o sentido da lei, i.e. para alcançar o mens legis ou a ratio legis.[13]

Outro dilema diz respeito a grande máxima in claris non fit interpretatio, traduzindo como “quando a lei é clara não se faz interpretação”, frase defendida por alguns doutrinadores como não mais aceita, pois só se pode concluir pela clareza do texto após interpretá-lo.

Em outra linha, há o entendimento que cabe ao operador do direito a aplicação da norma perante os fatos, a partir da premissa da sua clareza ao ser sancionada pelo poder competente.

A busca pela interpretação jurídica[14], no caso da consulta tributária visa  alcançar o verdadeiro sentido e alcance real da norma indagada e não para saber a opinião de alguma pessoa sobre determinada matéria, isto sim caracteriza um pedido de opinião, ficando circunscrito à esfera subjetiva de cada operador do direito.

Para finalizar o debate sobre as diferenças e a efetividade de uma interpretação legal, saudável transcrever as palavras de Antônio CABRAL sobre o tema em específico:

Deve-se distinguir a função de interpretar a lei, que consiste em determinar o sentido e o alcance da norma, e a função de aplicar a lei, ou seja, a de decidir que norma incide sobre este fato concreto. Enquanto o trabalho de interpretação gira em torno da norma enquanto dotada de generalidade e, portanto, abrangendo número infindável de casos, a aplicação da lei consiste no enquadramento de um fato concreto em determinada norma.[15]

Diante de tais exposições, ressalta-se a importância de diferenciar interpretação de opinião e conselho, pois como será explanado em momento posterior, este engano pode acarretar no não conhecimento da consulta, determinando em sua ineficácia, conforme prescreve a legislação.

Por fim, a correta compreensão legal objetiva a certeza e a segurança jurídica do sujeito passivo em seus atos, a fim de protegê-lo de equívocos ocasionadores de minoração patrimonial, pois segue a premissa de que ninguém poderá se escusar de conhecer a lei.

Mas a segurança e a certeza jurídica é dificílima de atingi-las, por isto o instituto da consulta tributária ajuda a obtê-las, uma vez que como Paulo de Barros CARVALHO afirma “A segurança jurídica é, por excelência, um sobreprincípio. (…) Efetiva-se pela atuação de princípios, tais como o da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade de jurisdição e outros mais”[16]

Já a certeza jurídica da incidência de um fato num determinado enquadramento legal assegura um planejamento eficaz. Inclusive Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR dispõe que “Por certeza entende-se a determinação permanente dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui a um dado comportamento, de modo que o cidadão saiba ou possa saber de antemão a conseqüência das suas próprias ações”[17]

Destarte, o objetivo da consulta tributária é lograr a certeza quanto ao entendimento da Administração em relação a um suporte fático, o qual pode ou poderia ser objeto de um processo administrativo doravante. A certeza originará a segurança jurídica do consulente, trazendo demasiadas benesses para o sujeito passivo que poderá planejar os seus recursos e aplicações com anterioridade, a partir do simples exercício de uma advocacia preventiva, externado pela consulta tributária.

Essa segurança adquirida estará dentro dos parâmetros legais, de acordo com os direitos, deveres e garantias do consulente e nunca como uma maneira ardilosa da Administração prejudicar o sujeito passivo.

Com isto, o consulente estará tutelado com a previsão do comportamento que a Administração irá adotar, sem a menor possibilidade de que uma mudança de pensamento deste venha a prejudicar a consulta já realizada sobre uma determinada situação fática. E agrega-se a isto, o fato de tratar-se de um procedimento administrativo, cuja decisão deva seguir as arestas legais, sob pena de nulidade.

6. OBJETO DA CONSULTA TRIBUTÁRIA

Uma questão bastante polêmica refere-se ao objeto da consulta tributária, onde os doutrinadores divergem e travam bons debates jurídicos.

A discussão ultrapassa alguns parâmetros, face alguns interpretarem que a consulta tributária presta a dirimir dúvida em situação concreta e que esta deve ser devidamente exposta, a fim do Fisco apresentar a sua resposta bem como o seu posicionamento.

Entretanto, outros entendem que o Fisco deve conhecer e responder todas as situações esposadas pelo consulente, podendo serem ventiladas situações abstratas. Tal assertiva, teria como fundamento o direito constitucional de petição.

Assim sendo, esta corrente defende que todo e qualquer cidadão pode questionar ao Fisco sobre uma situação fática independente de esta existir no mundo fático ou ser uma simples situação hipotética.

Em conluio com esta posição, traz-se à baila o pensamento de Hugo de Brito Machado, o qual assevera que “a consulta pode ser formulada tanto diante de um fato concreto, já consumado, como diante de uma simples hipótese formulada pelo contribuinte.”[18]

Já Valdir de Oliveira ROCHA colaciona em sua obra tanto o seu entendimento quanto o adverso:

Para demonstrar o interesse jurídico, o consulente apresenta uma situação de fato. Diferentemente de Antonio da Silva Cabral, que afirma que ‘a consulta deve ter como objeto um fato concreto, para o qual se procura a norma aplicável’, entendo que não há exigência de se apresentar fato concreto, mas, sim, quaisquer situações de fato, em que o consulente afirme ter interesse e o demonstre, sejam ´já ocorridas, em formação, ou que possam vir a ocorrer, e sobre cujas repercussões, no relacionamento do sujeito envolvido com o fisco, haja dúvidas’, tal como sustenta Wagner Balera.

(….)

A consulta fiscal, regra geral, pode ser formulada diante da Administração a qualquer tempo. Presente dúvida fundada, o interessado poderá apresentar consulta fiscal. Não importa se a situação de fato, já tendo ocorrido, implicou em eventual ocorrência de tributo devido, acaso até mesmo com prazo legal para pagamento já transcorrido. O interessado, que – lembre-se – pode até mesmo ser substituto processual legitimado (se a lei o prevê), poderá formular consulta a qualquer tempo, que deverá ser conhecida. Coisa diversa se refere a determinados efeitos que poderão resultar da ocasião em que apresentada a consulta. [19]

Antônio CABRAL declara, em seu livro, que no momento da apresentação da consulta tributária, imprescindível que haja três condições preliminares que deverão ser preenchidas, sob pena de não conhecimento da mesma por parte da Administração:

a) a consulta deve ser formalizada pelo sujeito passivo, isto é, por pessoa que esteja obrigada ao pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária, quer na qualidade de contribuinte, quer como responsável, ou por pessoa obrigada às prestações que constituem objeto de obrigação acessória;

b) o sujeito passivo deve demonstrar legítimo interesse na solução de caso concreto. As superintendências declaram a ineficácia da consulta apresentada por quem não preenche este requisito. Nesse sentido, já o PNCST n. 187/70 dizia: `O direito de consultar sobre interpretação da legislação tributária só pode ser exercido pelo contribuinte diretamente interessado na solução de caso especial`;

c) a consulta deve ter como objeto um fato concreto, para o qual se procura a norma aplicável. Nada impede, entretanto, que o contribuinte apresente dúvidas sobre um possível procedimento a adotar em razão da resposta que lhe for dada.

(…)

A consulta tem como objeto qualquer dispositivo da legislação tributária aplicável a fato determinado.

……..

Além do mais, é preciso que a consulta verse sobre fato determinado. Não teria cabimento consulta sobre lei em si. Torna-se necessário que à lei mencionada o contribuinte exponha claramente o fato concreto e por que tem dúvidas a respeito. Com razão as repartições, quando negam acolhida a consultas que apenas se preocupam com a literalidade da norma, quando o importante não é o que as palavras significam e sim qual a dúvida que determinada norma provoca ao ser aplicada a determinada situação.[20]

Na prática, verifica-se que o Fisco somente aceita as consultas tributárias formuladas diante de situações concretas, posto que a abstração das hipóteses poderia vinculá-lo com os efeitos extensivos de consultas mal compreendidas.

No tocante ao conteúdo da consulta tributária, se o consulente pode discorrer sobre o seu ponto-de-vista, àquele que por certo quer que a Administração confirme, entende-se que não há nenhuma limitação. Até porque, o interessado em solucionar o seu questionamento ao expor os seus comentários, por muitas vezes, delineia com mais clareza a situação fática em questão, o que por si enseja uma resposta mais precisa e concreta ao presente caso.

Além disso, se o consulente não tivesse a prerrogativa de narrar a situação, bem como o caminho por ele apontado como o mais adequado aos fatos que originaram a dúvida, estar-se-ia diante de uma limitação excessiva por parte da Administração.

Com efeito, pode-se recorrer ao princípio do informalismo para sustentar esta premissa de liberdade do consulente na elaboração da indagação. Hely Lopes MEIRELLES define que:

O princípio do informalismo dispensa ritos sacramentais e formas rígidas para o processo administrativo, principalmente para os atos a cargo do particular. Bastam as formalidades estritamente necessárias à obtenção de certeza jurídica e à segurança procedimental.

(…….)

Realmente, o processo administrativo deve ser simples, despido de exigências formais excessivas, tanto mais que a defesa pode ficar a cargo do próprio administrado, nem sempre familiarizado com os meandros processuais. Todavia, quando a lei impõe uma forma ou uma formalidade esta deverá ser atendida, sob pena de nulidade do procedimento, mormente se da inobservância resulta prejuízo às partes.[21]

Deflui-se que a forma da consulta tributária deve ser por escrita e que o consulente possui liberdade ao narrar o fato duvidoso, tanto que pode descrever  a solução que entenda como a mais conveniente a ser aplicada diante dos preceitos legais, facultando à Administração utilizar como norte ou não.

Outro aspecto a ser relevado, é que a consulta não pode ter escopo protelatório somente para impedir a ação fiscal bem como servir para o consulente escapar do pagamento de juros de mora ou por exemplo de alguma outra penalidade.

 
7. EFEITOS IMEDIATOS DA INTERPOSIÇÃO DA CONSULTA TRIBUTÁRIA

A interposição da consulta tributária traz como efeito imediato a impossibilidade de ser instaurado qualquer procedimento fiscal contra o sujeito passivo referente à espécie consultada, desde a data da apresentação até o trigésimo dia após a ciência da resposta.

A fim de evitar fraude ou demora na entrega de receitas tributárias, a consulta tributária não tem o efeito de suspender o prazo para recolhimento de tributo retido na fonte, ou objeto de lançamento por homologação antes ou depois de sua apresentação, nem o prazo para apresentação de declaração de rendimentos.[22]

Ratificando o acima exposto, os artigos 48 e 49 do Decreto nº 70.235/72 prescrevem:

Art. 48. Salvo o disposto no artigo seguinte, nenhum procedimento fiscal será instaurado contra o sujeito passivo relativamente à espécie consultada, a partir da apresentação da consulta até o trigésimo dia subsequente à data da ciência:

I – de decisão de primeira instância da qual não haja sido interposto recurso;

II – de decisão de segunda instância.

Art. 49. A consulta não suspende o prazo para recolhimento de tributo, retido na fonte ou autolançado antes ou depois de sua apresentação, nem o prazo para apresentação de declaração de rendimentos.

No tocante às conseqüências da interposição da consulta, Luis Eduardo SCHOUERI expende como efeito imediato preventivo que:

(….) consiste na impossibilidade de se instaurar qualquer procedimento fiscal contra o sujeito passivo, relativamente à espécie consultada, até o 30o dia subsequente à decisão final (art. 48 do Dec. 70.235/72) só se dá no caso de consulta individual.[23]

No caso de consulta tributária formulada por entidade representativa de categoria econômica profissional, os efeitos acima referidos atingem somente seus filiados ou associados após cientificado o consulente da decisão administrativa (art. 51 do referido Decreto).[24]

Outro efeito imediato preventivo da consulta é o § 2o do art. 161 do CTN, que exclui a incidência de juros de mora, na pendência de consulta tributária formulada pelo devedor, dentro do prazo legal para o pagamento do crédito. O Código não esclarece se este efeito se aplica somente às consultas individuais, ou se é estendido às consultas coletivas. Pelas mesmas razões acima expostas, de ordem constitucional, entendemos estenderem-se os efeitos a todos os filiados ou associados do consulente. Ademais, vale ressaltar que não pode o intérprete distinguir, onde o legislador não diferenciou: inexistindo qualquer limitação na lei, não há porque qualquer dos contribuintes representados pelo consulente deixar de gozar dos benefícios legais.[25]

O art. 161, § 2o do Código Tributário Nacional assim dispõe:

Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

(….)

§ 2º. O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.

Destarte, aquele que estiver com consulta pendente perante o Fisco, e desde que apresentada no prazo legal para recolhimento do tributo, ficará desincumbido da cobrança de juros moratórios, da imposição de penalidade ou da aplicação de medidas de garantia.

Inclusive, Yoshiaki ICHIHARA observa que:

O crédito tributário não pago no vencimento deverá ser acrescido dos juros de mora, seja qual for o motivo do atraso ou do não-pagamento, sem prejuízo da aplicação da penalidade cabível. Quando a percentagem do juro de mora for omissa, este deverá ser calculado à base de 1% (um por cento) ao mês (art. 161, §§ 1o e 2o do CTN). Em um país como o nosso, no qual a inflação é constante, o atraso nos pagamentos importa também na cobrança da correção monetária, calculada conforme os índices oficiais de desvalorização da moeda, na forma da legislação pertinente e aplicável.

A correção monetária corresponde à correção do débito desvalorizado em virtude da inflação. Daí podermos afirmar que a desvalorização da moeda ocorre uniformemente em relação a todos os tributos (impostos, taxas, contribuição de melhoria). Entretanto, se examinarmos os índices de correção do ICM, IR, IAPAS, etc., veremos que apresentam divergências, o que é ilegal, podendo o lesado recorrer ao judiciário para defesa dos seus direitos. Se ficar na pendência de consulta formulada dentro do prazo legal para o pagamento, e em virtude disso ocorrer atraso nos pagamentos, ele só sofrerá a incidência de juros de mora e correção, estando livre das penalidades cabíveis. [26]

Nesta diretriz, Tavares P. R. PAES traça que “Na pendência de consulta, não se aplicam as sanções do inadimplemento fiscal acima, sem prejuízo de imposição de penalidades e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas na lei.[27]

Inclusive, nesta diretriz, o Excelso Superior Tribunal de Justiça prolatou o seguinte aresto:

DIREITO TRIBUTÁRIO – CONSULTA – DESCABIMENTO DA MULTA – CTN, ARTIGOS 99 E 161, § 2º – DECRETO Nº 76.186/75, ARTIGO 49 – 1. Conquanto o CTN refira-se aos juros de mora (§ 2º, art. 161), avivado à sua natureza compensatória, feita e processada a consulta, não é aplicável a multa, incidindo apenas a correção monetária e mencionados juros. 2. Recurso sem provimento. (RESP 205126/SP – 1ª Turma – Relator. Min. Milton Luiz Pereira – DJU 24.06.2002)

E assim também já decidiu o Conselho de Contribuintes:

PIS – CONSULTA FISCAL – NULIDADE DO LANÇAMENTO – Estando o contribuinte sob o efeito de consulta fiscal (§ 13 do art. 48 da Lei nº 9.430/96), o lançamento que abarque matéria por aquela albergada, será nulo. Recurso de ofício negado. (Recurso 119748, Acórdão 201-76190, 1a Câmara, Relator Jorge Freire, data 20/06/2002)

NULIDADE DO LANÇAMENTO – EFEITO DE CONSULTA – INÍCIO DE PROCEDIMENTO FISCAL: O art. 48 do Decreto nº 70.235/72, que trata da inibição do início de procedimento de fiscalização quando a empresa está acobertada por consulta, só é aplicável quando a matéria consultada tem idêntica relação com o fato fiscalizado. Consulta relativa à contabilização de subvenção para investimento, quando o fato relatado não especifica claramente a forma do registro contábil de despesa de correção monetária de financiamento incentivado, não tem o condão de inibir a fiscalização desta despesa apropriada sem base legal. (Recurso 118046, Acórdão 108-05767, 8a Câmara, Rel. José Henrique Longo, data 09/06/1999)

Quanto ao § 2o, como se disse, caso exista consulta pendente de resposta, não incidem os juros de mora, enquanto a mesma não for satisfeita.[28]

8. CONCLUSÃO

Ante as ponderações tracejadas, dessume-se a importância da consulta tributária para o sujeito passivo na atualidade brasileira, tendo em vista os múltiplos tributos existentes, bem como as diversas legislações que dispõem a respeito destes.

Recorda-se que a consulta tributária tem por fito assegurar à segurança jurídica, ou também chamada de certeza jurídica, em buscar a interpretação legal escorreita para fins de adimplemento tributário, assim evitando que possa realizar pagamento equivocado ou atrasado, incorrendo em mora e outros encargos, além de outros benefícios que podem ser visualizados.

Além disso, a interposição da consulta tributária, como forma de defesa preventiva, acarreta, ainda, como efeito imediato de sua interposição a impossibilidade de que seja deflagrado procedimento fiscal contra o sujeito passivo referente à espécie consultada, bem como isentando-o das sanções comumente aplicadas quando caracterizada a inadimplência fiscal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 7ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1982, p.532.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9a ed., São Paulo: Malheiros, 1992.


[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 7ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1982, p.532.

[2] “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

……………………………………………………………………..

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;”

[3] Sobre o assunto, alvitra-se dos comentários exarados pelo Professor José Afonso da Silva, o qual enuncia que:

O direito de petição define-se ‘como o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou uma situação’, seja para denunciar uma lesão concreta, e pedir a reorientação da situação, seja para solicitar uma modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9a ed., São Paulo: Malheiros, 1992).

[4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 53.

[5] Acerca do direito constitucional tributário, colaciona-se as lições de Rodolfo R. Spisso:

El derecho constitucional tributario es el conjunto de principios y normas constitucionales que gobiernan la tributación. Es la parte del derecho constitucional que regula el fenómeno financiero que se produce con motivo de detraciones de riqueza de los particulares en favor del Estado, impuestas coactivamente, que atañen a la subsistencia de éste, que la Constitución organiza, y al orden, gobierno y permanencia de la sociedad cuya viabilidad ella procura. (PISSO, Rodolfo R. Derecho Constitucional Tributario. 2a ed., Buenos Aires: De Palma, 2.000, p. 25).

[6] “Art. 49. Não se aplicam aos processos de consulta no âmbito da Secretaria da Receita Federal as disposições dos artigos 54 a 58 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.”

[7] CARVALHO, A. A. Contreiras de. Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1974, p. 163.

[8] Para figurar como consulente, é necessário que seja:

1. sujeito passivo de obrigação tributária principal ou acessória;

2. órgão da Administração Pública;

3. entidade representativa de categoria econômica ou profissional.

[9] ROCHA, Valdir de Oliveira. A consulta fiscal. São Paulo: Dialética, 1996, p. 18/19.

[10] SCHOUERI, Luís Eduardo. Algumas reflexões sobre a consulta em matéria fiscal. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo, v. 03, n. 10, jan/mar. 1995, p. 119/120.

[11] Carvalho, Paulo de Barros. Introdução ao estudo do imposto sobre produtos industrializados. REVISTA DE DIREITO PÚBLICO n. 11, p. 87.

[12] CAMPOS, CAMPOS, Dejalma de. Direito Processual Tributário. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2001, p. 46.

[13] Recorda-se o significado de cada um dos institutos, a mens legis é o pensamento da lei, já a ratio legis é a razão, o escopo a que é destinado.

[14] Interpretação é a atividade lógica pelo qual se determina o significado de uma norma jurídica. O intérprete não cria, não inova, limita-se a considerar o mandamento legal em toda sua plenitude, analisando-lhe o significado e o alcance. O conjunto de métodos ou processos de interpretação dos textos legais é denominado de hermenêutica jurídica.  (CAMPOS, op. cit., p. 30 ).

Interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. O intérprete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determinado caso dado [ Gadamer 1991:397]; a interpretação do direito consiste em concretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação [Gadamer 1991:401]. Assim, existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma só operação [Marí 1991:236]. Interpretação e aplicação consubstanciam um processo unitário [Gadamer 1991:381], se superpõem. (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 84).

[15] CABRAL. Antônio. Processo Administrativo Fiscal: Decreto n. 70.235/72. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 487.

[16] CARVALHO, Paulo de Barros. O Princípio da segurança jurídica em matéria tributária. Revista de Direito Tributário n. 61, p. 86.

[17] FERRAZ, Tércio Sampaio Júnior. Segurança jurídicas e normas gerais tributárias. Revista de Direito Tributário n. 17/18, p. 51.

[18] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19a ed. São Paulo: Malheiros, 2.001, p. 388.

[19] ROCHA, op.cit., p. 38-55.

[20] CABRAL, op.cit., p. 492/493.

[21] MEIRELLES, op. cit. , p. 597.

[22] CABRAL, op. cit., p. 495.

[23] SCHOUERI, op. cit., p. 126.

[24] Art. 51. No caso de consulta formulada por entidade representativa de categoria econômica ou profissional, os efeitos referidos no art. 48 só alcançam seus associados ou filiados depois de cientificado o consulente da decisão.

[25] SHOUERI, op. cit., p.126.

[26] ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário: uma introdução. 2a ed. São Paulo: Atlas, 1986, p. 120.

[27] PAES, P. R. Tavares. Comentários ao Código Tributário Nacional. 4a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 259.

[28] NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários ao Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25.10.1966). Rio de Janeiro: Forense,. 1998, p. 430.

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