Taxa de coleta de lixo na conta de água?

No ano passado iniciou-se o debate acerca da possibilidade ou não de cobrança da taxa de coleta de lixo junto com a conta de água.

Tal questão decorreu da prática vivenciada há anos em diversos Municípios do Estado do Paraná e o recente Decreto Estadual n. 5099, de 14/07/09, exarado pelo Governador Roberto Requião.

Os Municípios, após diversas tentativas de receber efetivamente os valores a título de taxa de coleta de lixo dos resíduos gerados pelos contribuintes em seus bens imóveis, diante do alto índice de inadimplemento do tributo e da consequente falta de entrada ao erário dos valores despendidos pelo serviço prestado, resolveram buscar uma parceria, via convênio, com a Sanepar para lançar a taxa de coleta de lixo juntamente com a conta de água dos imóveis.

Diante desta concertação entre Municípios e Sanepar, visualizou-se um crescimento vultoso no adimplemento da taxa de coleta de lixo.

Doutro lado, após constatar esta prática, o Ministério Público do Paraná alertou o Estado do Paraná e recomendou a cessação da cobrança da taxa de coleta de lixo em conjunto com a conta de água, visto que esta conduta emoldura-se como uma venda casada, o que afronta ao Código de Defesa do Consumidor, e ocasiona grandes prejuízos aos cidadãos em suas condições mínimas de subsistência e dignidade.

O desrespeito à dignidade e às condições mínimas de subsistência estereotipam-se a partir do momento em que os cidadãos deixam de pagar a conta de água face ao valor da taxa de coleta de lixo e consequentemente sujeitam-se ao corte do fornecimento da água e à “sobrevivência” em condições precárias. Não se trata de inadimplemento voluntário, porém de adimplemento impossível face aos diminutos recursos financeiros que permeiam a maioria dos lares brasileiros.

Em razão disto, o Governador estipulou no Decreto n. 5.099 que os serviços de coleta de resíduos sólidos e de abastecimento de água deverão ser cobrados em faturas separadas, somente sendo permitida a cobrança conjunta se a Sanepar prestar e executar os dois serviços, e também determinou que os ajustes celebrados para a cobrança conjunta deverão ser rescindidos pela Sanepar até o final do ano.

Em análise ao conflito acima, não se pode aquiescer com a cobrança casada na prestação dos serviços públicos em questão.

Permitir, ainda que a mesma concessionária preste os dois serviços, a cobrança conjunta é onerar e tolher à dignidade da pessoa humana e o direito à vida em favor do interesse egoístico de arrecadação.

Não se pode pensar tão somente na logística dos menores dispêndios de recursos financeiros para a arrecadação da taxa de manejo de resíduos sólidos, bem como na necessidade de arrecadar dinheiro para os cofres públicos, mas deve-se pensar numa solução harmônica que guarneça os direitos dos cidadãos e os direitos do Estado.

Para tanto, recomenda-se uma leitura e interpretação sistemática da Constituição da República de 1988, mormente de um lado os princípios da eficiência e efetiva arrecadação, doutro lado os princípios da dignidade da pessoa humana e o direito à vida.

Ao interpretar e aplicar simultaneamente os princípios, verga-se para a prevalência da proteção ao direito à vida, direito fundamental, e ao princípio da dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil.

Portanto, o Estado deverá coligir a eficiência e efetividade de arrecadação respeitando o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, não podendo submeter o cidadão a ceifar as suas condições mínimas e essenciais de sobrevivência para fins de efetividade da arrecadação estatal.

Inadmissível sancionar o contribuinte que deixa de pagar a taxa de coleta de lixo com uma penalidade tão gravosa (corte do abastecimento de água). Deve-se guardar razoabilidade entre os meios e fins.

Esta concepção não significa coadunar com a legalização do calote do cidadão para com o Estado ou a assunção de prejuízos por parte do Estado, mas sim o dever do Estado em buscar outros instrumentos eficazes e eficientes para realizar a atividade de arrecadação da taxa de coleta de lixo, desde que os direitos dos cidadãos não sejam maculados.

Logo, as vozes que ecoam na Assembléia Legislativa do Paraná para liberar a cobrança da coleta de lixo na conta de água, ou quiçá na conta de luz, merecem reflexão a fim de não afrontar a Constituição da República e aos diversos julgados já existentes acerca do tema (Ex.: TJ/PR, RE 181850-0; TJ/ES, REO 035.98.021721-6; TJ/ES, REO 035.98.026703-9).

Luciano Reis, advogado, sócio do “Reis, Corrêa e Lippmann Advogados Associados”, Professor da Universidade Tuiuti do Paraná e da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR, luciano@rcl.adv.br.

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